Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas, AE de Santa Catarina

A zanga é uma ‘paixão’ passageira, um momento. Se continuada e estruturada, se persistir no tempo, indicia um outro momento e conduz a um estádio diferente: torna-se num sentimento, numa condição permanente e deixa de ser uma mera situação condenada a ser superada, numa palavra, deixa de ser uma zanga. Estaremos perante um sentimento que se consolida e que já não pode ser justificado como uma ‘mera’ zanga.
A ideia que um grupo de pessoas (que se torna extensível) engrossa um eleitorado e vota num partido extremista por razões contextuais e passageiras, porque se zangou com os partidos mais moderados é tão irracional como considerar que esse mesmo grupo se tornou extremista em pouco tempo. Mas se a zanga persiste, não pode ser explicada como passageira, esvazia-se como zanga. Essas razões não são contextuais. O sentimento é um processo consolidado. Esse eleitorado tornou-se extremista?
Provavelmente. Se o partido em que votam não esconde as suas propensões neofascistas, o seu autoritarismo e atitude antidemocrática, isso não pode ser ignorado. Se se trata de um partido racista e xenófobo, só a ingenuidade ou a dissimulação podem esconder ou desmentir esse facto.
No caso que nos diz diretamente respeito, o partido de extrema-direita em ascensão, as estratégias de manipulação e a postura demagógica do líder são notórias. A tentativa de atenuar ou apagar essas características é um insulto à inteligência dos que votam. Haverá um retrocesso ao passado?
Na verdade. o retrocesso existe: ao assistirmos a essa situação estamos a reviver os anos 30. No entanto, existem diferenças em relação aos fascismos originais: não há (ainda) o apelo ao sacrifício, à renúncia ao hedonismo, à entrega a grandes causas míticas, à mobilização armada, à violência sem quartel e ao endeusamento do chefe. Mas o mistério persiste; por que razão o eleitorado engrossa a massa dos votantes num partido extremista neofascista ou populista (como alguns designam)?
Esse eleitorado abraçou o ultraconservadorismo e a imoderação ética? Retornou ao abjeto racismo que impulsionou o fascismo e estruturou o nazismo?
Porventura, não da mesma forma, mas não podemos ignorar que esses traços e determinações políticas estão lá. São partidos que representam um retorno ao passado e isso não pode ser explicado através da futilidade da zanga ou da indignação, do descontentamento perante um ‘sistema’ corrupto e injusto. Perante uma democracia ou sistema liberal parlamentar em decadência e que já não convence os cidadãos da sua justeza. Que as empurrou em direção à parede da desesperança.
Contudo, voltamos ao ponto de partida: isso pode ser suficiente para explicar a aposta num partido extremista? Seria uma aposta cega, mas tudo indica que estamos perante algo maior: um comprometimento. Uma escolha perigosa que, segundo parece, se consolidou. E estendeu por vários territórios e quadrantes, não se confinando a regiões ‘incivilizadas’.
Uma aposta é uma zanga, mas um comprometimento supera esses limites. Estaríamos, apesar de tudo, a subvalorizar o eleitorado se aceitássemos a ideia de que se trata apenas de uma aposta. A irracionalidade recai sobre a escolha, mas não inteiramente sobre aqueles que a fazem. Ou então haverá mesmo razões para nos preocuparmos.
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