Vale a pena ler a "Odisseia" de Homero no século XXI?

Texto escrito pelo professor Jorge Marrão


A Odisseia de Homero foi a primeira epopeia que li integralmente, por volta dos 16 anos, na edição em prosa da Europa América. Muitos leram apenas a versão curta, adaptada para jovens, pelo grande pedagogo João de Barros. Foi há muito tempo. Continuei a lê-la com a curiosidade de estudante. Continuo a visitá-la com o compromisso de professor.

Decerto que foi e, no século XXI continua a ser, para muitos, uma experiência enriquecedora. Apesar de ter sido escrita há cerca de 2.800 anos, esta epopeia continua a dialogar com os leitores contemporâneos, oferecendo perspectivas únicas sobre a condição humana, a coragem, a astúcia, a lealdade, o desejo de regresso a casa e o confronto com o desconhecido. É Ulisses que confere unidade à narrativa, sem ele, como afirma um dos maiores expoentes da cultura clássica, André Bonnard (1888-1959), «A Odisseia não seria mais do que uma coleção de contos e aventuras».

A Odisseia narra as aventuras de Ulisses (ou Odisseu) no seu longo e atribulado regresso a Ítaca, após a guerra de Troia. A Odisseia traz uma proposta diferente, diplomacia, humanidade e paz, valores plasmados hoje no Projeto Europeu. Ulisses, durante 10 anos, enfrenta monstros, tempestades, tentações e deuses caprichosos. Mas para além do carácter mitológico e fantástico da narrativa, é a humanidade do herói que mais nos prende: Ulisses é um inteligente líder, mas também falível; é valente, mas sofre; é persistente, tem uma dimensão ética ímpar e sente saudades da família, da mansidão da lavoura da terra, dos seus bois que se contrapõe à violência e desnecessidade da guerra. Neste sentido, é fácil identificarmo-nos com ele, mesmo vivendo num mundo distante que pode parecer radicalmente diferente. Temporalmente, sim; mas os caracteres humanos permanecem.

Ler A Odisseia pode parecer um luxo anacrónico. No entanto, é precisamente por isso que a leitura se torna relevante: convida-nos a parar, a refletir sobre a nossa própria jornada, os nossos desafios, perdas e conquistas. Além disso, a obra ensina-nos sobre as raízes da literatura ocidental, influenciando desde Camões a Shakespeare, de Joyce a Saramago. Todos temos a nossa jornada e todos saímos de casa convencidos de que voltamos. Simples: essa é a centralidade de uma obra intemporal.

Em suma, A Odisseia no século XXI é mais do que uma viagem literária ao passado: é um espelho onde podemos rever-nos, aprender muito sobre a natureza humana e talvez redescobrir velhas formas de enfrentar o presente. A epopeia de Ulisses não perdeu a força — somos nós que precisamos de tempo e disposição para escutá-la. Atualmente há uma excelente edição em verso, traduzida diretamente do grego pelo grande estudioso da cultura clássica Frederico Lourenço e publicada pela Quetzal – 2018.

 

 

Texto escrito pelo professor Jorge Marrão

 


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