Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas

No relativamente remoto passado (1936) o Ministro da Educação Nacional, António Carneiro Pacheco, entendeu reformar o ensino (ou a educação) libertando-o da ressonância da ‘instrução’ para o tornar numa missão ‘educativa’. O governante nacionalista e fascista moldou o ensino e a imagem dos professores, colocando-os ao serviço da ideologia e dos interesses do regime salazarista. A educação deveria servir uma orientação religiosa, moral e nacionalista.
Na época não se dissimulava a carga ideológica dos que deveriam ser sujeitos à ‘educação’, desde logo a partir da educação primária, mas também dos que seriam chamados a ensinar. Independentemente de não podermos traçar uma linha de continuidade simplista entre o regime fascista e o regime democrático instaurado em abril de 1974, existe um ponto de contacto: a moldagem da ‘imagem’ dos professores a partir de um paradigma de controlo.
Hoje como ontem, os docentes foram sujeitos a uma humilhação continuada que é transversal a vários governos de distintas orientações partidárias. Controlar e degradar a imagem dos professores? Isso não é uma apreciação meramente subjetiva e notoriamente precária, talvez excessiva? Perguntem aos docentes. Auscultem a sua ‘opinião’. Aos que hoje exercem a profissão, já que não será possível ouvir ou registar a ‘perceção’ daqueles que partiram.
Se hoje o controlo não parece essencialmente ideológico, mas burocrático ou ‘socioprofessional’, uma análise mais fina acaba por revelar a crua verdade: esse tipo de controlo também é ideológico. Controlar os docentes significa sujeitá-los a medidas abusivas de seleção e ‘avaliação’ que os diminui enquanto trabalhadores intelectuais.
Mas voltemos ao nosso Carneiro Pacheco: o alvo da moldagem ideológica dos professores dirigiu-se, sobretudo, às professoras e, em particular, às professoras de ensino primário. As professoras não poderiam casar sem autorização do Ministro da Educação Nacional e as professoras de ensino primário deveriam requerer o parecer dos diretores dos distritos escolares. O noivo teria de se enquadrar numa categoria de ‘bom comportamento moral e civil’.
Se hoje a situação não atinge essa faceta caricatural, o controle é exercido sobre a sua imagem social: sugere-se (discursivamente e através de ações burocráticas e profissionais) que não possuem um estatuto que os faça exigir o devido respeito por parte dos seus concidadãos. É precisamente esse o laço sombrio que nos liga ao passado.
A degradação por via da remuneração salarial não pode ser ignorada: considerou-se (durante muito tempo) escandalosa a reposição de direitos salariais que originou uma tensão e um conflito que se estendeu no tempo. Se no passado o Estado fascista totalitário dirigiu a ‘orquestra da educação’, atualmente o maestro é também um representante do Estado, o seu máximo representante.
Ontem, o Ministro do Estado ilegítimo diminuiu os professores, hoje o governante democrático nem sempre os respeitou. Ontem, invocava-se a ‘decadência da família’ para exercer a injunção ideológica, hoje comparece o slogan da ‘crise dos valores’. Contra tudo isso, exigem os docentes mais autonomia e respeito.
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