
Num percurso de táxi entre o Oeiras Parque e a minha casa deparo com uma situação tão bizarra quanto perigosa: o taxista tinha agarrado ao tablier um telemóvel de grandes dimensões ‘ligado’ ao programa "Big Brother". Alternava a sua atenção entre o caminho, a estrada e o programa. Seria certamente um viciado no Reality Show. Não passava dois segundos sem dar uma olhadela ao programa.
Dir-se-ia que se o dispositivo se desligasse ele perderia a cabeça e subiria algum passeio. Mas isso dificilmente aconteceria: o telemóvel estava conectado com um cabo ao carro de modo a evitar que dependesse da bateria. Enquanto estivesse ali, o nosso homem não iria perder nada do excelso programa. Mais grave do que estar viciado num programa de entretenimento que me parece disparatado é a circunstância de o levar consigo para todo o lado. De o levar para um local de trabalho que não permite que o veja. Imagino que perante uma queixa, o taxista mais depressa se livraria da sua profissão. O que conduz um mortal a agarrar-se ao vício do Big Brother? O desconhecimento de que se trata de um jogo vazio? A simulação de situações sem peso real que dão lugar a comentários infindáveis como se se tratassem de situações relacionais espontâneas? De saber quem gosta de quem e quem odeia quem, sem saber porquê?
O programa é um fingimento e só seduz, acho eu, porque os participantes inventam emoções, quebram a ociosidade com paixonetas repentinas. Passam a gostar de alguém de repente ou são empurrados para isso pelos ‘programadores’. O programa é o pano de fundo de coisa nenhuma. Aquilo que deveria ser, no melhor dos casos, um passatempo para quem não consegue gerir a passagem das horas com alguma coisa minimamente satisfatória, transforma-se numa representação sem guião, ou com um alinhavar de eventos escritos por personagens sem talento.
O programa é um circo equívoco, mas isso é comum aos programas do mesmo género. Simula-se qualquer coisa para ver no que dá. Na melhor das hipóteses os personagens envolvem-se em ‘namoros’ criados à pressão ou confrontam-se em discussões sem préstimo. Tudo isso procura cumprir a função de entreter. Como se sabe há muito, a adversidade relacional, a zanga, o ódio e a violência verbal seduzem o povo consumidor de ‘produtos mediáticos’ e de redes sociais. Dirigir-se, sem retorno, para um ponto de fuga à mediocridade da vida quotidiana à custa deste tipo de programas é, simultaneamente, compreensível e inaceitável.
Contudo, isso é uma apreciação de gosto, bem entendido. Há programas piores do que o Big Brother? Tudo indica que sim. O zapping levou-me a chocar com outra bizarria: um programa em que pessoas fingem que estão casadas. São, mais uma vez, empurradas pelos programadores para situações de proximidade para ver no que dá. Se der alguma coisa, as expectativas serão recompensadas. Imagino que possa, também, interessar ao nosso taxista.
Texto escrito pelo professor António Caselas
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