O Amor entre ruínas

Artigo escrito pelo professor António Caselas


Depois da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha derrotada queria esquecer a tragédia, queria dançar e festejar, queria voltar a amar. Na impossibilidade de (por várias razões) se relacionarem com os compatriotas, as mulheres alemãs não se importaram de eleger ‘os antigos inimigos’ como alvos dos seus desejos e do seu sentimento amoroso.

O livro de Harald Jähner, A Hora dos Lobos. A vida dos alemães no rescaldo do III Reich aborda essa situação (sobretudo no capítulo V). Porventura, a derrota enfraqueceu a imagem dos homens alemães perante as suas companheiras, a sua virilidade mítica sofreu um rude golpe. O inverso, nalguns casos, também sucedeu: os homens desinteressaram-se das suas mulheres depois de meses e anos de ausência.

A subordinação sociopolítica das mulheres perante a masculinidade glorificada pelo regime nazi acabou por ser questionada e posta de lado. Perante a morte e a destruição, a ilusão do Reich de 1000 anos, ergueu-se a vida e os seus básicos ímpetos: as paixões e o desejo. A sedução sexual e amorosa, a força matricial da libido e a procura da sedução.

Diz-se que nessa época, em Berlim, existiam seis mulheres para um homem, mas a contextualização fria dos factos e a proeminência da estatística, apesar de relevantes, não explicam tudo. A força do desejo irrompe porque não pode ser parada independentemente das adversidades e contradições. Perante a precariedade e a pobreza.

É certo que a violência da guerra e o entusiasmo perverso dos vencedores exerceram sobre as mulheres uma dominação inaceitável, mas a necessidade de apaziguar o desejo e de voltar novamente a elevar o fascínio do enamoramento ao seu legítimo patamar, começou a fazer o seu caminho. Se a curiosidade e a liberdade perante o inimigo vencedor quebrou antigos bloqueios e tabus, também é verdade que os derrotados homens não pareceram estar à altura do novo tempo. Livres de uma ideologia criminosa e absurda, as mulheres quiseram mudar de vida.

Na frase decisiva que sugere o título do livro encontra-se a razão que está na base dessa transformação: ‘Era a hora dos lobos; [a mulher] sente um legado animalesco que existe no seu comportamento de acasalamento e lhe assegura a sobrevivência.’ (pag. 195). O amor e o desejo foram e são o território em que se devem assumir muitos riscos e, em que factualmente, eles são vividos e assumidos. Em que se sobrepõem à racionalidade disciplinadora e castradora.

Perante a falência dos imperativos de uma ideologia que aspirou ao absoluto, o amor e o prazer puderam, finalmente, dar sentido às vidas destroçadas. Fornecer uma linha condutora para a construção de um novo absoluto que valha a pena.

 

 

Artigo escrito pelo professor António Caselas

 


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