Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas

O conceito de exceção deixou de se aplicar às situações declaradamente ‘excecionais’ (que envolvem geralmente crises e ameaças de colapso para a sociedade) e passou a ser utilizado em relação às medidas supostamente legais e legítimas dos regimes liberais e democráticos.
Este foi precisamente um dos contributos fundamentais do pensamento biopolítico (de matriz filosófica italiana) ancorado nos textos de um jurista alemão polémico, Carl Schmitt. Um exemplo de exceção, entre outros, constitui o recente caso da deportação do cidadão salvadorenho Kilmar Ábrigo García residente em Maryland. Arrebanhado por engano por ordem de Trump para dar cumprimento ao seu ímpeto extremista de expulsão de imigrantes, García foi deportado.
Como se sabe, Trump pretende deportar sem considerações utilitárias e razoáveis (legalizar os imigrantes úteis à economia) e o seu programa de autodeportação é igualmente absurdo e irracional: paga-se a um imigrante para se ‘autodeportar’, é-lhe oferecido um bilhete de avião e depois poderá ser tida em consideração o seu eventual regresso em função da sua utilidade?
Supostamente ilegal, o cidadão foi enviado para uma prisão de máxima segurança de El Salvador conhecida por enclausurar os mais perigosos membros de gangues do país. Acusado (sem provas) de pertencer ao gangue MS-13, o caso de Kilmar foi à justiça e o Supremo Tribunal, reconhecendo o engano ordenou o seu regresso, na sequência de decisões de outros tribunais intermédios. A resposta da administração foi de nada poder fazer apesar de admitir o erro. Trata-se de assumir arbitrariamente um erro trágico e alegar impotência perante a sua resolução.
Trump chama a si poderes nunca vistos em nenhum governo americano anterior e declara nada poder fazer neste caso. O presidente de El Salvador, Nayib Bukele de visita à Casa Branca afirmou que não iria devolver ‘terroristas’. A ausência de provas em nada demoveu os carcereiros que insistem em manter Kilmar no severo Cecot (Centro de Confinamento de Terroristas) de El Salvador.
A exceção assume, neste caso, a sua cruel face: a arbitrariedade total da decisão que se encontra numa zona cinzenta entre a legalidade e a arbitrariedade, entre o braço da lei e o braço do ditador ou tirano movido por uma vontade de exercício de mero poder discricionário.
No passado, a exceção marcou a atuação das polícias secretas estalinistas e nazis, em particular a atuação das SS, um Estado dentro do Estado. As SS atropelavam os tribunais e o ditador Estaline ordenava o envio para os Gulags de pessoas ‘apanhadas’ na rua.
Apesar de se considerarem um Estado de Direito, os Estados Unidos e outros países chamam a si essa condição ou estado de exceção em decisões sobre a vida e a morte de cidadãos inocentes. Decidem ou promovem decisões em que a vida de cidadãos é gratuitamente destruída. As decisões em contrário de instâncias jurídicas independentes e soberanas são ignoradas. A arbitrariedade política e o comando governativo impera sobre a racionalidade jurídica. A lei é manipulada ou usada sem qualquer razoabilidade nem limites. As suas regras são pervertidas. A injunção autoritária e a vontade do chefe, ditador ou eleito prevalece. O comendo situa-se legitimamente dentro da ordem jurídica para a usar e manipular, para a perverter de acordo com pressupostos ideológicos ou motivações meramente pessoais.
Trata-se de um flagelo para as democracias que as enfraquecem ainda mais e que as aproximam dos Estados ditatoriais e politicamente ilegítimos. A exceção é o rosto tirânico do Estado de Direito ou de alguns regimes declarados como tal. A deportação de venezuelanos para El Salvador foi, igualmente, bloqueada pelo Supremo Tribunal americano uma vez que se baseava numa lei de 1798 que não assegurava o direito à defesa.
Texto escrito pelo professor António Caselas
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