Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas, AE de Santa Catarina

O líder do Kremlin e da federação russa é um mistério para o Ocidente apesar de ter convivido com os seus representantes políticos durante mais de 20 anos. Os comentadores também não se entendem sobre o que move Putin e em que acredita.
Será pós-comunista ou pós-soviético? Extremista de direita? Baseia a sua ação num confuso e incoerente conjunto de princípios e ideias? Como definir a ideologia de Putin?
Podemos constituí-la a partir de várias ideias e ‘sensibilidades’ específicas e identificáveis. A ideologia de Putin poderá definir-se como renovadamente eslavófila, moralmente arqueoconservadora, eurasiática, antidemocrática, belicista, ‘imperialista’ e autocrática. Essas orientações ideológicas derivam de múltiplas fontes e foram inspiradas por múltiplos autores do passado e do presente. Dentre os clássicos é possível destacar Dostoiévski, Berdiaev e até Soljenítsin.
A religião ortodoxa e o ultranacionalismo devem ser acrescentados a este elenco. A sua ambição (e protagonismo na cena geopolítica) é clara a partir do momento em que intervém ativamente no Médio Oriente e noutras zonas do globo e em que declara que a Rússia deve ser uma alternativa à hegemonia do Ocidente liderada pelos Estados Unidos e pela Europa. Pode dizer-se que Putin a partir de 2005 não escondeu o seu propósito de reagir violentamente contra essa hegemonia, mas o problema é que não foi levado a sério. Pelo contrário, o Ocidente cooperou economicamente com a Rússia, tornou-se dependente dela no plano energético e deu guarida aos seus oligarcas. Fechou sempre os olhos aos esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. Ignorou ou mal reagiu diante de perseguições e assassinatos que ocorreram fora da Rússia. O Ocidente preocupou-se mais com a China do que com a Rússia e nem mesmo a invasão da Crimeia criou alarmismo.
Em termos morais Putin é antimoderno e rejeita a tolerância perante a diversidade cultural. Os ‘valores tradicionais’ são o seu farol e isso levou a que a extrema-direita se aproximasse dele. A ideia de ‘família tradicional’ e a negação de orientações sexuais minoritárias são essenciais no pensamento de Putin e não um ‘fait divers’. Tal como sucede com a orientação política extremista de direita, esses valores coexistem com o modelo liberal económico-financeiro. Como concentra o poder nas suas mãos dá-se ao luxo de reprimir e assassinar opositores e impor a sua vontade aos mais próximos.
O seu patriotismo exacerbado choca com o mundo unipolar saído da Guerra Fria. Sonha com uma Rússia que lidera um novo mundo, uma realidade global multipolar em que a Rússia se coloca em pé de igualdade perante a Europa e os Estados Unidos. Em relação à Europa, Putin possui uma particularidade: despreza-a e desconsidera-a. Usou sempre a Europa de acordo com os seus interesses e nunca acreditou na sua coesão e união política.
Putin quer reconstruir o ‘Império Soviético’? Talvez em parte porque sabe que a Nato é um obstáculo sério em termos militares, apesar de não acreditar na possibilidade da sua coordenação. Quando é necessário lança os seus ‘cavalos de Tróia’, a Hungria e a Eslováquia. Apesar de não ser jovem, Putin sabe esperar e aguardar pelo ‘momento propício’ em que poderá destabilizar e exercer o seu domínio. Esse plano foi agora abrilhantado pelo regresso de Trump ao poder.
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