Redes Sociais – II

Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas, AE de Santa Catarina


Os políticos e governantes privilegiam, desde há algum tempo, a comunicação via X, precisamente a rede de Musk acusada de várias campanhas de desinformação e manipulação, designadamente, a sua recente intervenção com o propósito de favorecer a campanha de Trump.

O surgimento de porta-vozes e a comunicação através de vias ‘oficiais’ é pouco prática e, muita vezes, demorada. Mas impunha-se usar uma rede que não estivesse envolvida diretamente em usos perversos como o X. Ao usar essa plataforma, todos os que reprovam o seu uso manipulatório incorrem numa manifesta incoerência: assinalam a sua natureza imprópria e ajudam a que seja consultada, na medida que é o meio que usam para comunicar.

O mesmo se passa com outras plataformas. Vários estudos recentes ligam o uso intensivo das redes, como o Facebook a perturbações emocionais – depressão, ansiedade, raiva, pensamentos suicidas – e, como se sabe, o Tik Tok tem estado na origem de casos de indução à auto-agressão. Um desses estudos, o ‘Social media and mental health’ (2023) foi efetuado pelo MIT e Universidade Bocconi. Para além dos distúrbios de carácter pessoal (o que já seria grave) as redes induzem, alimentam e exponenciam a violência social e coletiva. Serve de base à mobilização dos aderentes para ações extremistas. Induz ao que se poderiam designar de ‘paixões negativas’, a vaidade, o exibicionismo, a falsificação de dados pessoais e angariação de pessoas para a prática de crimes.

A intromissão na vida privada e a utilização ilegal de dados (sem autorização dos visados) tornou-se uma imagem de marca da rede de Zuckerberg. A desregulação tornou-se numa arma competitiva num mercado cada vez mais propenso à disseminação do ódio e dos preconceitos de vária índole. A atratividade da rede tornou-se mais intensiva devido a uma arma psicológica que hoje poucos dispensam: o ‘like’. Num mundo de frustrações e crises recorrentes, as pessoas sentem especial apetência para quem mostre uma ‘preferência digital’ por aquilo que pensam e fazem. Alguns ignoram ou fingem ignorar a ausência de valor real do ‘like’, mas a satisfação obtida mantém-se. Trata-se de um poderoso dispositivo emocional. De um jogo consigo próprios e com os outros, mesmo que estes sejam ‘perfis’ de desconhecidos e até ‘perfis’ falsos.

O episódio que envolveu a empresa Cambridge Analytica revelou, no domínio da manipulação política, uma realidade sem precedentes. O papel insidioso do Facebook (através do roubo de dados pessoais e da sua posterior entrega ou venda a entidades para os usar para efeitos de propaganda eleitoral) nas campanhas do Brexit e da primeira campanha de Donald Trump deu origem a um escândalo. A partir daí percebeu-se que as plataformas são meios perversos de manipulação.

No entanto, nada sucedeu depois disso em termos de regulação e controle. A rede X continua a manipular e a servir novamente os interesses e a agenda de Trump. Serviu de ‘base digital’ à sua nova eleição. Essa agenda é orientada e adaptada em função das informações recolhidas. Sabe-se que no passado, a comunicação via Net serviu para gerir, enquadrar e favorecer as campanhas de partidos populistas na Europa serviu para auscultar gostos, tendências e opiniões. Agora a desinformação e a disseminação do ódio e das atitudes de discriminação não conhecem freios.

Se a rede Facebook é menos referida neste momento existem outras que a podem substituir. No caso da campanha do Brexit, sabe-se que os eleitores foram manipulados e enganados e hoje, provavelmente, não votariam a favor. Muitos mostram-se arrependidos. Pode alegar-se que alguns se expõem e não se importam muito de serem ‘usados’, mas o princípio é errado e inaceitável. Independentemente da negligência, ingenuidade ou aceitação dos utilizadores, os Estados devem estar atentos e as entidades reguladoras devem existir e cumprir a sua missão. A interferência no funcionamento dos regimes políticos (em particular, nas democracias) não deve ser permitida.

 

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