Artigo de opinião escrito pelo professor António Caselas, AE de Santa Catarina

A ‘realidade virtual’ faz parte da natureza das redes sociais. A digitalização da vida e a virtualização da existência social é hoje um dado adquirido.
Nas plataformas digitais os indivíduos, muitas vezes sós e isolados (atomizados) representam papéis e personagens. Vivem uma narrativa teatral e comportam-se como atores. Personagens, muitas vezes, enraivecidas e violentas. Irrascíveis e intolerantes. Racistas e sexistas. Ideologicamente fanatizadas ou, como se diz agora, radicalizadas.
Interiorizam uma existência irreal e virtual. Sem aderência ou com poucos pontos de contacto com o que são e com o que fazem na sua vida quotidiana e banal. Requerem ou aspiram à aprovação dos outros através da presença dos ‘likes’ e de outros ‘emoticons’. Perfilam-se personagens de belas raparigas e sedutoras mulheres, homens charmosos e detentores de uma invejável vida social. Na rede surgem de um dia para o outro os saudosos amigos, as paixões e as relações de grande intensidade amorosa.
Mas surge também o horrível território do odioso. O insulto, as acusações e as ameaças são uma constante. Na rede, pessoas que conhecemos ou outras que nunca vimos tornam-se pensadores, especialistas em geopolítica e em diversas áreas científicas. Pessoas que nunca cozinharam surgem como grandes chefes de cozinha, os que visitaram 4 ou 5 países, como grandes e experientes viajantes, os que nada leram sobre ciência política, direito, história e aeronáutica aparecem como profundos conhecedores.
Ignorantes são entronizados como sábios de exceção. Senhoras espalham ‘selfies’ apresentando-se como seres de grande beleza e são abrilhantadas por múltiplos ‘likes’. Franzinos que não poderiam correr 10 metros sem se cansarem, surgem como atletas de alta competição. Famílias desavindas e parentes que mal se podem ver aparecem na rede como o exemplo de famílias bafejadas pela sorte e que poderiam ser o paradigma para outras famílias. Impreparados curiosos e amadores sobem ao top da máxima competência. Casais que já nada têm a dar um ao outro ou que mal se suportam, surgem como o exemplo perene da felicidade conjugal.
A dimensão virtual da rede permite falsificar e exponenciar a fantasia mais absurda. E, porventura, a questão mais problemática será a interação sociopolítica entre os membros. A rede é o palco para a glorificação do populismo e do irracionalismo político. Do ódio e da suprema falsidade que no universo social é aceite como uma verdade quase absoluta. A baixeza e a incapacidade de descortinar o óbvio são elegíadas. O ódio agrega em vez de ser repudiado. A raiva desperta os mais conformados. A política é a pedra de toque da podridão plantada e frutificada nas redes sociais.
A rede democratiza a irracionalidade e a estupidez humana. Revela no século XXI a falência dos mais básicos ideais do Iluminismo e das promessas idílicas do passado.
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